quarta-feira, 3 de novembro de 2010

As Lembranças Que Não Me Cabem

Minha caixinha de lembranças sempre está cheia demais.
Vez ou outra eu abro ela e decido me livrar de algo, ou pelo menos tento.
Talvez isso estrague um pouco o significado das lembranças, pois acabo jogando fora coisas que agora não fazem mais sentido, mas que nem por isso deixam de ser lembranças válidas, já que um dia foram boas o suficiente para serem colodas ali.

Pobres lembranças, traídas.
Às vezes tenho pena delas, e acabo deixando elas ali, enquanto houver espaço.
Mas um dia chegam as lembranças mais novas - mais coloridas - e então a corda arrebenta do lado mais fraco.
Sempre penso se um dia vou me arrepender, como já me arrependi antes, mas isso acaba não pesando muito na decisão; o agora pesa muito mais.

Olho então para as "novas" lembranças e imagino o que será delas no futuro, se elas continuarão com a importância de hoje ou se vão virar poeira no vento. E por um lado isso me entristece, porque queria que a minha caixinha fosse enorme e pudesse guardar tudo que eu quisesse, pra que quando eu fosse bem velhinho e sozinho pudesse sentar na varanda da minha casa, tomando alguma coisa quente e passar a tarde revivendo tudo que a minha memória não conseguiu guardar.
Mas lá no fundo sei que ela é do tamanho que deve ser, porque se fosse maior eu ia acabar me apegando demais a ela, ou até mesmo viver dentro dela, e Deus sabe lá que males isso traria.

E ademais, quem sabe a vida das lembranças seja assim mesmo, ficar ali por um tempo e então ir dessa pra melhor, pro céu das lembranças, sei lá, onde elas podem ser eternamente relembradas.
Talvez elas fiquem por ali apenas tempo suficiente pra se alojarem na nossa mente, e então a gente não precisa mais delas, e pode arrumar espaço pras outras, porque elas estão guardadas pra sempre, em algum lugar seguro.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"Nada dura pra sempre, apenas o céu e a terra" já dizia a música. E, levando em conta uma abordagem mais científica, nem o céu e a terra duram.
Algumas coisas foram feitas pra não durar, e essas coisas são as melhores. Alguém já deve ter dito isso.
Algumas coisas são tão pequenas e indivisíveis que se tornam únicas de uma maneira especial e inesquecível, e é isso - acho que poucas pessoas percebem - que as torna especiais: elas acabam.

Mas no final das contas "acabar" é só uma palavra, talvez não exista uma palavra que possa definir o que acontece com as coisas. Não com todas as coisas, mas com essas que passam, de certa forma, a fazer parte de nós, não só como lembrança, mas como parte mesmo, por menor que seja, uma partícula indispensável do ser.

Então um dia você acorda e sabe que finalmente vai acontecer, embora seja difícil ou quase impossível conceber a idéia. É como uma criança pensar em como vai ser a sua vida em vinte anos, é muito difícil de se imaginar adulto quando se é criança, parece errado, parece que as coisas deveriam continuar assim pra sempre: ser pequeno, ir pra escola e se divertir com bolhas de sabão.
Mas se isso acontecesse ela deixaria de ser especial, não seria mais única.
O interessante sobre as coisas únicas é que normalmente você não sabe que elas são únicas, pelo menos não até um bom tempo depois d'elas terem começado ou terminado.

Você se vê parado no meio da multidão, ainda alheio a singularidade do momento, do sonho virando realidade; os únicos amigos na multidão sempre por perto, a única ancora com a realidade.
Então todas as luzes se apagam, o coração acelera, a multidão se exalta, é agora!
O suspense se prolonga por alguns instantes, até que finalmente rufam os tampores e as luzes se acendem: lá estão eles, tão perto.
Não da pra acreditar.
Por alguns momentos tudo fica mudo, exceto pela multidão e pelos tambores, mas então finalmente é possível ouvir aquela voz tão familiar e agora você tem certeza.
A multidão explode, pulando e cantando com a música, agora nada mais pode dar errado, agora é pra valer.

Você canta junto, e quando se da conta, tudo faz sentido.
O rosto pega fogo, o estômago congela.
Cada palavra faz sentido, e você canta com o coração, porque percebe que essa é a sua última oportunidade.
O melhor ainda está por vir.
Você se da conta da distância que sempre existiu e que agora é ínfima; nunca mais vai ser assim.
Agora você está sozinho na multidão, um só com a música, não existe mais nada.
Não olhe agora, o melhor ainda está por vir.
A visão embaça, a voz falha.
O refrão se repete infinitamente.
Pegue a minha mão, o melhor ainda está por vir.
Um furacão de sentimentos e emoções passa pela sua cabeça, você olha pro futuro e pensa nas pessoas que ama. A felicidade escorre pelo rosto.
E o melhor ainda está por vir.
Um momento de silêncio, a música acaba.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

No mar, o tempo passa rápido.
Não sei bem ao certo o porque, e nem se isso faz sentido pra você, mas pra mim, é a mais pura realidade.
Não me canso de olhar as ondas, batendo contra o casco do barco o dia todo, seu humor variando dia após dia, as vezes ditado pelo sol, ás vezes pela lua, e muitas vezes, ditando o meu próprio humor. Quando estou triste, as ondas se erguem esbeltas, tentando chamar minha atenção, e batem delicadamente no barco, como que fazendo cócegas. E, se não consegue me fazer rir, as ondas ficam severas e balaçam o barco, até que eu me dê por vencido, ou até que elas se cansem.

Por vezes percebo as águas calmas demais e tento atiçá-las, atirando pedregulhos, normalmente funciona, mas ás vezes as ondas acabam ficando violentas e muito agitadas, e então nem uma capa de chuva vai impedir que eu acabe todo molhado.
Mas depois de um tempo você se acostuma e não se importa mais em se molhar, mesmo quando o mar está triste, jogando as ondas contra o barco e fazendo chover respingos por todo o convés como se fossem lágrimas salgadas e frias; já perdi as contas de quantas vezes me debruçei com a água escorrendo pela face, e chorei junto com ele.

Mas um dia, já há bastante tempo, percebi que o que mais me encanta não é beleza das águas - transparentes ao meio dia, misteriosas refletindo o céu noturno estrelado - mas sim a direção em que elas me levam, os caminhos que me fazem parcorrer, as mais inesquecíveis experiências que eu nunca teria vivido se tivesse permanecido em terra firme, coisas que eu nunca acreditei possíveis ou que nunca imaginei prováveis.

Há quem diga que no mar tudo parece igual, uma eternidade estagnada.
Estão errados. Pelo menos pra mim, estão errados.
Eles falham na concepção dessa idéia desde o princípio, pois a superfície do mar é mais mutável do que qualquer terra firme e muito mais excitante, mas é claro, muito mais desafiadora também.
E aí é que está a graça.
Se o mar fosse sempre calmo e sereno, daí sim seria entediante. Se as ondas fossem sempre iguais, eu não teria por elas me apaixonado.

Mas algumas vezes eu esqueço disso, por alguns instantes.
Sonho que estou em terra firme novamente, acordo confuso e devastado, me sinto perdido ao olhar para o horizonte sem fim e não saber onde irei pisar em seguida, me sinto inseguro, sozinho, tenho medo que o tempo passe, sinto pavor da morte e a insignificância da minha presença nesse mundo.
Mas então as ondas me acordam e me fazem lembrar que é tudo tolice, que essas coisas não importam, é tudo parte de um pesadelo; essas coisas não existem.
Então eu me acalmo, e as ondas também.

E nós continuamos pelo mar afora, enfrentando dias de sol, chuva e tempestade, escolhendo juntos o nosso caminho dentre as infinitas possibilidades do horizonte, alumas vezes sem medo, outras com medo, mas sempre juntos, como estivemos desde o dia em que as velas foram içadas e o barco deixou o porto, exatamente um ano atrás.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

O Último Dia

Aqui sempre faz frio; e as vantagens param por aí.
Não sei de onde surgiram os três quadros naquela parede, eu nunca tinha reparado neles e nem no quão feios eles são.
O primeiro é uma pessoa carranduca e amarela de proporções duvidosas.
O segundo é um borrão verde com dois riscos: um amarelo, outro laranja. Lixo abstrato.
O terceiro é todo colorido e cheio de desenhos que parecem ter sido feitos por uma criança: um peixe, uma lua, um pássaro e uma estrela de Davi, todos ao redor de uma mulher negra com cara de mãe de santo.

Minha presença é requerida: "Podes ficar aqui pra mim, querido? Vou ali fumar um cigarrinho".
Vai com a bênção do senhor, desde que seja longe de mim.
Observo mais de cem pessoas e não ouço voz alguma, só o barulho ritmado das teclas. Alguns digitam só com os dedos indicadores, outros parecem ter martelos no lugar das mãos; Alguns olham a tela a cada tecla para se certificarem de que digitaram a letra certa, outros olham o teclado para se não deixar os dedos se perderem em meio a tantas letras, números e atalhos.

A menina sentada aqui perto parece meio corcunda, sentada assim com as costas arqueadas. Ela se distrai fácil, seja lá o que estiver vendo no computador, não deve ser muito interessante.
O rosto dela lembra muito uma amiga minha. Não só os traços, mas também as expressões e, principalmente, o jeito que ela rola os olhos.

Faço café. É ruim, mas é o que tem. Forte, doce e com leite, pra disfarçar a má qualidade, quase funciona. Pelo menos não está frio, odeio quando desligam a cafeteira, daí alem de café ser ruim, fica frio e tenho que aquecer no microondas. Microondas esse que é o típico "ladra mas não morde", apita a cada dois segundos, mas esquentar que é bom, faz pouco, quando faz.
Ontem mesmo fiquei puto de vez come essa história de desligarem a cafeteira, peguei um papel e escrevi em letras garrafais "NÃO DESLIGAR A CAFETEIRA. PORRA!!" e coloquei do lado da cafeteira. Parece que a tia da limpeza ficou puta da cara; pau no cu dela, quem manda esfriar meu café, é ruim mas é meu.

Um boné ridículo, um cabelo ridículo; e mais alguns cabelos ridículos.
O gordo com fones de ouvido solta uma risada silenciosa e, pelo movimento das mãos, traduz ela para o meio virtual. Ele parece ser um cara legal.
Você ja parou pra pensar em quanta gente legal você deixa de conhecer? Aposto que, sei lá, na Bélgica, tem um monte de gente legal que eu nunca vou conhecer. Mas o mesmo vale pros "pau-no-cu", deve ter um monte de tia-da-limpeza-que-desliga-a-cafeteira pelo mundo afora.

Pelo menos agora tenho que aturar um imbecil a menos, e mesmo sendo só um faz bastante diferença, afinal esse imbecil era meu chefe. Justifiquei o meu desligamento da seguinte forma:
"Divergência de opinião com o coordenador no que concerne a emissão e propagação de ruídos no ambiente de trabalho, a competência e produtivodade das tarefas propostas e, por fim, na concepção de comportamento e relacionamento adequados e saudáveis no ambiente de trabalho."
Ele leu, parou;
Leu novamente, pensou;
Leu pela terceira vez, suspirou e assinou.

Agora eu trabalho num lugar onde o café é quentinho, fim da história.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Outonos que vem e vão

Durmo ao som do vento frio castigando a janela.
Um par de meias aquece meus pés; um corpo quente aquece o meu.
Viajo por sonhos longos e sem muito valor, dos quais recordo apenas breves instantes.
Acordo incontáveis vezes com a mesma música e finalmente levanto. Coloco a cabeça pra fora da janela e sinto o vento arrepiar meu corpo todo; é automática a vontade de escrever algo. Não sei se é psicológico ou se o frio e o cinza do céu deixam um clima mais propício para tal; e mais triste também, já dizia a música: "a primavera traz a chuva, com o inverno vem a dor"

Escrevo histórias e guardo até que venha o próximo outono, pra só então deixar elas saírem do casulo, e as vezes penso de novo e acho que não deveriam ter saído.
Deixo de escrever histórias pra escrever algarismos, não por opção.
Escrevo hexadecimais, binários, decimais, uso letras pra fazer contas, todas feias; sinto saudade das palavras de verdade e do tempo em que a matemática se limitava a números.
Não gosto desse tipo de texto introspectivo e subjetivo, é pessoal demais, chato demais. Mas eu escrevo mesmo assim, porque preciso escrever e porque me da desgosto ter um blog e não usar;
me da desgosto ter uma guitarra e não tocar;
me da desgosto ter uma parede branca vazia;
me da desgosto, também, usar esse recurso de repetição, que faz o texto parecer descrição de foto de fotolog.

Eu corro e paro ofegante, o ar frio enche os meus pulmões; que saudade dessa sensação.
A noite tomou o lugar do dia e o vento não para, encontra o meu suor e me arrepia de novo.
Com frio, sedento e cansado.

Cansei de deixar de escrever, de prometer pra mim mesmo que ia escrever e de ter medo de terminar as histórias. Não vou mais usar falta de inspiração como desculpa.
De uns tempos pra ca resolvi fazer essas coisas que eu nunca fiz e falar o que eu nunca falei, seja por ter medo de estar errado ou por não querer entrar em desacordo com os outros, e descobri que isso faz bem.
É como aquela velha história do "esse semestre/ano eu vou estudar mais", nunca acreditei que eu fosse fazer isso; e agora, estou fazendo, então o resto é ficha.
Resumindo, decidi honrar a minha palavra para comigo mesmo.

A luz verde ilumina a minha parede e o vento, agora mais brando, balança a minha cortina.
O gosto do chocolate permanece na minha boca e eu escrevo. Pela primeira vez em muito tempo não me importo de fazer bonito. Sempre me importei demais com as coisas, demorei muito pra perceber isso, e mais ainda pra decidir mudar.
A música de fundo é nostálgica, uma dessas que eu ouvia quando tinha 16 anos e que não fazem mais sentido, a não ser pra lembrar do passado. Ironicamente ela se chama "Turn the page", me dei conta agora.

Esseé um dos piores textos que eu já escrevi aqui, mas provavelmente o segundo mais sincero.

sexta-feira, 26 de março de 2010

4000 Rainy Nights

It's 10 past 6 in the morning and the rain is already coming down hard, just like it was yesterday, the day before yesterday and the 2956 days before it. Seems like it has been always like this, and I do believe, now, that it is gonna be like this forever.

Some folks say this is some sort of punishment and that once the earth is wiped clean of all sin and evil, God will bring the sun back. "Happened once before with Noah and will happen every time it needs to" they say, to what I respond "Bullshit". These people are just trying to fool themselves, searching for confort, something to hold on and give them hope so they won't lose their minds; And, of course, this is a perfect job for God.

On the other hand, I was not able to come up with a better explanation so far. And neither did the scientists. A couple of years ago they offered a one million dollar reward for someone who would explain, with concrete proof, what's going on. Many have tried, and when I say many I mean that almost EVERY scientist in the face of the earth has tried to explain this unstopable rain, with no degree of success whatsoever. Most of them gave up trying, as most people also got tired of waiting for the sun to return and are now just trying to survive.

The world population was reduced by 2/3, the greater share of it due to the "World War III", also known as "Water War". Well, they always said the cause of the third world war would be the water, I guess they were not that wrong, except that it was due to excess of water, not the lack of it.

I'm gonna say no more about the war, doesn't really matter who won and if it was fair, the only thing that matters is that it was horrible, as any other war, and that now the people who survived realised they have to help each other for the sake of hope and the future that awaits for us and for our children. I'm not saying hope alone will save us, because it cannot move mountains or vaporize water, and neither can faith. But we need it, specially for the people who are gonna save us, the ones bright enought to find a solution before everywhere is flooded and we have nowhere else to go.

And, as I wasn't blessed with a bright mind, this is the best I can do.
I can still remember the last day the sun showed up, I have kept it vivid in my mind all this time, using it to warm up my soul once in a while. In fact, it has come recently to my knowledge that a lot of people treasure the memory of their last sunny day and use it not only to warm themselves, but to share this feeling and give other people hope. This gave me the idea of writing down my "last sunshine memory", put it into bottles and throw them away, so I can share it with people that live oceans away, and maybe when they find it they'll read it to their people, add memories of themselves, and throw it away again for other people to find it and so on.

So here it is, my last memory of a sunny day...