sexta-feira, 16 de abril de 2010

O Último Dia

Aqui sempre faz frio; e as vantagens param por aí.
Não sei de onde surgiram os três quadros naquela parede, eu nunca tinha reparado neles e nem no quão feios eles são.
O primeiro é uma pessoa carranduca e amarela de proporções duvidosas.
O segundo é um borrão verde com dois riscos: um amarelo, outro laranja. Lixo abstrato.
O terceiro é todo colorido e cheio de desenhos que parecem ter sido feitos por uma criança: um peixe, uma lua, um pássaro e uma estrela de Davi, todos ao redor de uma mulher negra com cara de mãe de santo.

Minha presença é requerida: "Podes ficar aqui pra mim, querido? Vou ali fumar um cigarrinho".
Vai com a bênção do senhor, desde que seja longe de mim.
Observo mais de cem pessoas e não ouço voz alguma, só o barulho ritmado das teclas. Alguns digitam só com os dedos indicadores, outros parecem ter martelos no lugar das mãos; Alguns olham a tela a cada tecla para se certificarem de que digitaram a letra certa, outros olham o teclado para se não deixar os dedos se perderem em meio a tantas letras, números e atalhos.

A menina sentada aqui perto parece meio corcunda, sentada assim com as costas arqueadas. Ela se distrai fácil, seja lá o que estiver vendo no computador, não deve ser muito interessante.
O rosto dela lembra muito uma amiga minha. Não só os traços, mas também as expressões e, principalmente, o jeito que ela rola os olhos.

Faço café. É ruim, mas é o que tem. Forte, doce e com leite, pra disfarçar a má qualidade, quase funciona. Pelo menos não está frio, odeio quando desligam a cafeteira, daí alem de café ser ruim, fica frio e tenho que aquecer no microondas. Microondas esse que é o típico "ladra mas não morde", apita a cada dois segundos, mas esquentar que é bom, faz pouco, quando faz.
Ontem mesmo fiquei puto de vez come essa história de desligarem a cafeteira, peguei um papel e escrevi em letras garrafais "NÃO DESLIGAR A CAFETEIRA. PORRA!!" e coloquei do lado da cafeteira. Parece que a tia da limpeza ficou puta da cara; pau no cu dela, quem manda esfriar meu café, é ruim mas é meu.

Um boné ridículo, um cabelo ridículo; e mais alguns cabelos ridículos.
O gordo com fones de ouvido solta uma risada silenciosa e, pelo movimento das mãos, traduz ela para o meio virtual. Ele parece ser um cara legal.
Você ja parou pra pensar em quanta gente legal você deixa de conhecer? Aposto que, sei lá, na Bélgica, tem um monte de gente legal que eu nunca vou conhecer. Mas o mesmo vale pros "pau-no-cu", deve ter um monte de tia-da-limpeza-que-desliga-a-cafeteira pelo mundo afora.

Pelo menos agora tenho que aturar um imbecil a menos, e mesmo sendo só um faz bastante diferença, afinal esse imbecil era meu chefe. Justifiquei o meu desligamento da seguinte forma:
"Divergência de opinião com o coordenador no que concerne a emissão e propagação de ruídos no ambiente de trabalho, a competência e produtivodade das tarefas propostas e, por fim, na concepção de comportamento e relacionamento adequados e saudáveis no ambiente de trabalho."
Ele leu, parou;
Leu novamente, pensou;
Leu pela terceira vez, suspirou e assinou.

Agora eu trabalho num lugar onde o café é quentinho, fim da história.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Outonos que vem e vão

Durmo ao som do vento frio castigando a janela.
Um par de meias aquece meus pés; um corpo quente aquece o meu.
Viajo por sonhos longos e sem muito valor, dos quais recordo apenas breves instantes.
Acordo incontáveis vezes com a mesma música e finalmente levanto. Coloco a cabeça pra fora da janela e sinto o vento arrepiar meu corpo todo; é automática a vontade de escrever algo. Não sei se é psicológico ou se o frio e o cinza do céu deixam um clima mais propício para tal; e mais triste também, já dizia a música: "a primavera traz a chuva, com o inverno vem a dor"

Escrevo histórias e guardo até que venha o próximo outono, pra só então deixar elas saírem do casulo, e as vezes penso de novo e acho que não deveriam ter saído.
Deixo de escrever histórias pra escrever algarismos, não por opção.
Escrevo hexadecimais, binários, decimais, uso letras pra fazer contas, todas feias; sinto saudade das palavras de verdade e do tempo em que a matemática se limitava a números.
Não gosto desse tipo de texto introspectivo e subjetivo, é pessoal demais, chato demais. Mas eu escrevo mesmo assim, porque preciso escrever e porque me da desgosto ter um blog e não usar;
me da desgosto ter uma guitarra e não tocar;
me da desgosto ter uma parede branca vazia;
me da desgosto, também, usar esse recurso de repetição, que faz o texto parecer descrição de foto de fotolog.

Eu corro e paro ofegante, o ar frio enche os meus pulmões; que saudade dessa sensação.
A noite tomou o lugar do dia e o vento não para, encontra o meu suor e me arrepia de novo.
Com frio, sedento e cansado.

Cansei de deixar de escrever, de prometer pra mim mesmo que ia escrever e de ter medo de terminar as histórias. Não vou mais usar falta de inspiração como desculpa.
De uns tempos pra ca resolvi fazer essas coisas que eu nunca fiz e falar o que eu nunca falei, seja por ter medo de estar errado ou por não querer entrar em desacordo com os outros, e descobri que isso faz bem.
É como aquela velha história do "esse semestre/ano eu vou estudar mais", nunca acreditei que eu fosse fazer isso; e agora, estou fazendo, então o resto é ficha.
Resumindo, decidi honrar a minha palavra para comigo mesmo.

A luz verde ilumina a minha parede e o vento, agora mais brando, balança a minha cortina.
O gosto do chocolate permanece na minha boca e eu escrevo. Pela primeira vez em muito tempo não me importo de fazer bonito. Sempre me importei demais com as coisas, demorei muito pra perceber isso, e mais ainda pra decidir mudar.
A música de fundo é nostálgica, uma dessas que eu ouvia quando tinha 16 anos e que não fazem mais sentido, a não ser pra lembrar do passado. Ironicamente ela se chama "Turn the page", me dei conta agora.

Esseé um dos piores textos que eu já escrevi aqui, mas provavelmente o segundo mais sincero.